Um não-muçulmano disse que o Alcorão se contradiz como em 8:61 “Se eles se inclinam à paz, inclina-te tu também” mas em 47:35 “não pedem a paz”. Por favor, explique o motivo, pois tenho certeza de que não há contradições no Alcorão.

Primeiro de tudo, devemos saber em que circunstâncias os muçulmanos estão autorizados a lutar contra os não-muçulmanos.

Os versos especificam os limites que justificam uma guerra quando transgredidos por não-muçulmanos:

“Deus nada vos proíbe quanto àqueles que não vos combateram pela causa da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que lideis com eles com gentileza e equidade, porque Deus aprecia os equitativos.
Deus vos proíbe apenas entrardes em privacidade com aqueles que vos combateram na religião, expulsaram-vos dos vossos lares ou que cooperaram na vossa expulsão.  Em verdade, aqueles que entrarem em privacidade com eles serão injustos.”

(Al Mumtahana 60:8-9)

De acordo com o versículo, as seguintes razões são para começar uma guerra contra os não-muçulmanos:

  1. Se os não-muçulmanos começarem uma batalha contra os muçulmanos devido à sua religião
  2. Se eles expulsarem os muçulmanos de suas casas
  3. Se apoiarem os que expulsam os muçulmanos

Não podemos fazer amizade ou demonstrar simpatia pelos que cruzam essas linhas. Se os não-muçulmanos transgredirem qualquer um desses três, os muçulmanos têm o direito de iniciar uma guerra contra os não-muçulmanos. Caso contrário, os muçulmanos não podem ser o lado que inicia a guerra, mas eles sempre têm o direito de se defender.

Agora vamos considerar o primeiro verso mencionado na sua pergunta. Para entender corretamente Al Anfal 8:61, precisamos lê-lo em seu contexto, a partir do verso 55 em diante:

إِنَّ شَرَّ الدَّوَابِّ عِنْدَ اللَّهِ الَّذِينَ كَفَرُوا فَهُمْ لَا يُؤْمِنُونَ. الَّذِينَ عَاهَدْتَ مِنْهُمْ ثُمَّ يَنْقُضُونَ عَهْدَهُمْ فِي كُلِّ مَرَّةٍ وَهُمْ لَا يَتَّقُونَ. فَإِمَّا تَثْقَفَنَّهُمْ فِي الْحَرْبِ فَشَرِّدْ بِهِمْ مَنْ خَلْفَهُمْ لَعَلَّهُمْ يَذَّكَّرُونَ. وَإِمَّا تَخَافَنَّ مِنْ قَوْمٍ خِيَانَةً فَانْبِذْ إِلَيْهِمْ عَلَى سَوَاءٍ إِنَّ اللَّهَ لَا يُحِبُّ الْخَائِنِينَ. وَلَا يَحْسَبَنَّ الَّذِينَ كَفَرُوا سَبَقُوا إِنَّهُمْ لَا يُعْجِزُونَ. وَأَعِدُّوا لَهُمْ مَا اسْتَطَعْتُمْ مِنْ قُوَّةٍ وَمِنْ رِبَاطِ الْخَيْلِ تُرْهِبُونَ بِهِ عَدُوَّ اللَّهِ وَعَدُوَّكُمْ وَآَخَرِينَ مِنْ دُونِهِمْ لَا تَعْلَمُونَهُمُ اللَّهُ يَعْلَمُهُمْ وَمَا تُنْفِقُوا مِنْ شَيْءٍ فِي سَبِيلِ اللَّهِ يُوَفَّ إِلَيْكُمْ وَأَنْتُمْ لَا تُظْلَمُونَ. وَإِنْ جَنَحُوا لِلسَّلْمِ فَاجْنَحْ لَهَا وَتَوَكَّلْ عَلَى اللَّهِ إِنَّهُ هُوَ السَّمِيعُ الْعَلِيمُ

“As piores criaturas aos olhos de Deus são aquelas que O ignoram.  Isso é porque eles não acreditam e confiam n’Ele. São aqueles com quem fazes um pacto e que, sistematicamente, quebram seus compromissos, e não temem a Deus. Se os dominardes na guerra, dispersai-os, juntamente com aqueles que os seguem, para que meditem. Se suspeitas da traição de um povo, rompe o teu pacto do mesmo modo, porque Deus não estima os traidores.  Não pensem os incrédulos que poderão obter coisas melhores (que as dos crentes).  Jamais o conseguirão. Mobilizai todo poder que dispuserdes, em armas e cavalaria, para intimidardes, com isso, o inimigo de Deus e vosso, e se intimidarem ainda outros que não conheceis, mas que Deus bem conhece. Tudo quanto investirdes na causa de Deus, ser-vos-á retribuído e não sereis injustiçados. Se eles se inclinam à paz, inclina-te tu também a ela, e confia em Deus, Ele é o Oniouvinte, o Sapientíssimo.”

(Al Anfal 8:55-61)

Como pode ser visto, este verso é sobre um grupo de pessoas que estão preparadas para violar o tratado que fizeram com os muçulmanos. Neste caso, os muçulmanos têm o direito de rescindir o tratado. Quando esse grupo aprende sobre o término do tratado, eles podem mudar de ideia e se inclinar para a paz. É claro que, para poder se inclinar para a paz, eles terão, no mínimo, que cumprir o primeiro tratado que fizeram, e/ou os muçulmanos podem exigir o cumprimento de condições adicionais. Se as condições necessárias forem cumpridas, os muçulmanos também devem se inclinar à paz. Isso é lógico, porque o objetivo da guerra não é derramar sangue, mas proteger os direitos dos crentes e das pessoas inocentes. Note que Deus manda mobilizar os cavalos de batalha e outras forças para afugentar o inimigo. Se os ignorantes estão assustados com as forças preparadas, lamentam sua traição, reviravolta de seus erros e buscam a paz, os muçulmanos são então aconselhados a se inclinarem para a paz.

O segundo verso que você mencionou é:

 إِنَّ الَّذِينَ كَفَرُوا وَصَدُّوا عَنْ سَبِيلِ اللَّهِ ثُمَّ مَاتُوا وَهُمْ كُفَّارٌ فَلَنْ يَغْفِرَ اللَّهُ لَهُمْ. فَلَا تَهِنُوا وَتَدْعُوا إِلَى السَّلْمِ وَأَنْتُمُ الْأَعْلَوْنَ وَاللَّهُ مَعَكُمْ وَلَنْ يَتِرَكُمْ أَعْمَالَكُمْ

Em verdade, os incrédulos, que desencaminham os demais da senda de Deus e contrariam o Mensageiro, depois de lhes ser evidenciada a orientação, em nada prejudicarão Deus, que lhes tornará as obras sem efeito. Ó crentes que confiem em Deus! obedecei a Deus e ao Mensageiro, Não desmereçais as vossas ações. Em verdade, quanto aqueles que ignoram (os versos de Deus), que desencaminham os demais da senda de Deus e morrem na incredulidade, Deus jamais os perdoará. (Desde que vós sois crentes) Não fraquejeis, pedindo a paz, quando sois superiores; sabei que Deus está convosco. Jamais defraudará as vossas ações. 

(Mohammad 47:32-35)

O segundo conjunto de parênteses “Desde que vós sois crentes)” foi adicionado por causa do seguinte verso, que explica a razão da superioridade dos muçulmanos. A superioridade não é concedida pelo nascimento, mas concedida se eles confiarem em Deus de acordo com o versículo abaixo:

وَلَا تَهِنُوا وَلَا تَحْزَنُوا وَأَنْتُمُ الْأَعْلَوْنَ إِنْ كُنْتُمْ مُؤْمِنِينَ. إِنْ يَمْسَسْكُمْ قَرْحٌ فَقَدْ مَسَّ الْقَوْمَ قَرْحٌ مِثْلُهُ وَتِلْكَ الْأَيَّامُ نُدَاوِلُهَا بَيْنَ النَّاسِ وَلِيَعْلَمَ اللَّهُ الَّذِينَ آَمَنُوا وَيَتَّخِذَ مِنْكُمْ شُهَدَاءَ وَاللَّهُ لَا يُحِبُّ الظَّالِمِينَ

“Não desanimeis, nem vos aflijais. Sempre saireis vitoriosos, se fordes crentes. Quando receberdes algum ferimento, sabei que os outros já sofreram ferimento semelhante. Tais dias (de infortúnio) são alternados, entre os humanos, para que Deus Se assegure dos crentes e escolha, dentre vós, os mártires; sabei que Deus não aprecia os injustos.”

(Ál ‘Imran 3:139-140)

Isso significa que o exército de muçulmanos que confiam em Deus venceria o grupo de ignorantes (kafir)1 porque Deus está com eles. Quando Deus está com um grupo de pessoas, ninguém pode superá-las. Então, eles precisam ter coragem das palavras de Deus, confiar Nele e lutar contra os ignorantes. Chamar pela paz em um caso em que Deus está com você seria desconfiar de Deus. É por isso que pedir a paz contra os ignorantes que obstruem o caminho de Deus é proibido no verso 47: 32-35.  Observe que não há menção de um tratado anterior aqui.

  1. Kafir (em árabe: كافر kāfir; plural كَافِرُونَ kāfirūna, كفّار kuffār ou كَفَرَة kafarah; feminino كافرة kāfirah) é um termo árabe (da raiz K-F-R “cobrir”) que significa “aquele que cobre a verdade”. ↩︎